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Fios e linhas

        Há alguns anos faço parte da comissão julgadora do Concurso Literário “Vida Iluminada”, promovido pela Associação Unimed Mulher. É um concurso para pessoas com deficiência visual, com cegueira ou baixa visão. A cada ano os textos surpreendem pela forma de ver a vida. E a escolha do verbo “ver” é fundamental aqui, pois aqueles que por algum motivo não conseguem ver falam muito de como veem a vida e das cores que ela tem. É emocionante ler os textos e reconhecer as vozes que esperavam para ser evocadas, sejam lembranças vividas ou  um futuro desejado. É emocionante ecoarem vozes a partir do contato com o texto literário e reconhecer que a literatura toca o sensível e o humano em cada um de nós. Linhas que se somam à nossa malha da vida, linhas que se rompem por diferentes motivos, mas que  constroem como e quem somos. A moça tecelã traz em si a voz de tantas histórias da tessitura da vida, de mulheres que teceram para construir quem eram, para aguardar amores. Além da tessitura
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Amar sem medo

Quanto tempo longe da palavra escrita! Com tantas coisas para dizer, mas longe da página em branco há mais de um ano. Meu último texto falava sobre mudanças. E quantas ocorreram neste último ano! Uma delas foi o fim de um relacionamento de 10 anos. Demora para aquilo que a gente sente se transformar em ação. E demora mais um pouco para virem as palavras que nos ajudam a elaborar o fim e abrir caminho para o novo. Mudanças que estiveram acompanhadas do medo. Hoje quero retomar esse blog tratando desse sentimento que nos domina, nos aprisiona e mais do que tudo nos paralisa. Sabemos que o medo tem uma função biológica fundamental: nossa preservação, mas ele também nos afasta dos nossos desejos mais bem guardados. E quero falar de desejos: quantos desejos castrados, trocados ou mesmo latentes. Alguns estão aí por medo, ou como preferem alguns, por falta de coragem.  Recentemente estava lendo "Medo Líquido" de Zygmunt Bauman, lá ele falava sobre o nosso medo da i

Qual o sentido da vida?

"Viver é separarmos do que fomos para nos adentrarmos no que vamos ser no futuro, futuro sempre estranho"  Gaston Bachelard Quanto tempo longe deste espaço! Nesse tempo de distanciamento tivemos um curso sobre a escrita que rendeu muitas trocas e histórias. Um estudo da escrita como criação e trabalho. Um olhar para a palavra, matéria-prima da escrita, geradora de ideias. Segundo Eduardo Galeano, "a gente escreve contra a própria solidão e dos outros", pois escrita é comunhão. Isso vem ao encontro desse espaço que desde o princípio desejou criar ponte entre os leitores e agora busca edificá-la por meio da escrita. Essa proximidade com a palavra, vem de minha primeira formação: professora de Língua Portuguesa. O desvendamento do universo da palavra sempre me intrigou e impulsionou para a aventura literária. Exerço esse trabalho há mais de 20 anos e não me canso das palavras, nem dos meninos e meninas que vejo descobrindo esse universo ling

´Freud lê... Ondjaki: "A vida comum"

Quanto tempo ausente e longe da escrita, quase 2 meses, os dias se encheram de afazeres e acabamos deixando este espaço de diálogo em pausa, como se fosse possível, parar de puxar o fio que conduz nossa vida e voltar lá, onde deixamos um nó para desatar. E que nó ficou aqui para desatar! Falamos nos outros textos de sonhos, desejos, do que nos move e agora só queríamos falar da vida. Que difícil escolher um texto específico quando se quer falar do dia a dia, da vida que se constrói a cada pulsão. E, em meio a tantas histórias, voltei àquelas sobre a infância e o olhar da criança, afinal "a vida acontece muito de repente˜, como afirma Ondjaki no conto "O último carnaval da Vitória", do livro Os da minha rua. Essa ideia do de repente da vida junto com vários acontecimentos recentes nos fez pensar no que é a vida e, nesse preâmbulo, encontrar um pouco desse sentido na voz do menino narrador de Ondjaki nos trouxe um certo alento: "A vida às vezes é como um jo

Freud lê… Bartolomeu Campos Queirós: "Por parte de pai"

Desde que começamos este espaço temos falado de memórias, de sentimentos vivenciados a partir delas ou apesar delas. Hoje quero retomar a figura do avô presente em outra obra de Bartolomeu Campos Queirós, o avô paterno, por quem o menino-narrador tem tanta admiração e afeto. O avô da obra “ Por parte de pai” é quem ensina o narrador a registrar o mundo por meio da escrita. Era a partir das histórias escritas pelo avô que o menino ia relendo a vizinhança, os vizinhos, os pequenos e grandes acontecimentos que eram registrados pelo avô nas paredes da casa, tudo o que acontecia na pequena vila onde moravam, como uma necessidade de imobilizar a vida: "Usava todas as janelas da casa, apreciando os quatro cantos do mundo, sempre surpreso, descobrindo uma nova cor, um novo vento, uma nova lembrança. Havia tanto mundo para ver, dava até preguiça, diz ele. Uma coisa meu avô sabia fazer: olhar. Passava horas reparando o mundo. Às vezes encarava um ponto no vazio e só desgrudava q

Freud lê… Bartolomeu Campos Queirós: "O olho de vidro de meu avô"

Freud lê… "O olho de vidro de meu avô" As palavras guardam um universo inteiro dentro delas. Hoje, especialmente, quero falar de algumas histórias que apresentam os avós como personagens centrais. Freud afirmava que a "construção subjetiva de um indivíduo está invariavelmente envolvida com algo mais, como um modelo, um objeto, um oponente, um auxiliar, de maneira que, desde o princípio das relações mais primitivas da infância, poderíamos dizer que a psicologia individual é também psicologia social" (ZANETTI, 2009). Desde então, o conceito de transmissão psíquica incorporou-se à Psicanálise. Nesse sentido, os avós são figuras fundamentais quando pensamos na construção da subjetividade do indivíduo. O escritor Bartolomeu Campos Queirós nos traz em algumas de suas obras a figura de seus avós materno e paterno. Falaremos inicialmente sobre a obra "O olho de vidro do meu avô", na qual  o narrador em primeira pessoa nos apresenta seu avô materno. Log

Carrascoza: "Aos 7 e aos 40", Parte 2, Inevitável Tempo

         Quando iniciamos este espaço com a reflexão sobre o livro “Aos 7 e aos 40”, de João Carrascoza , parece ter faltado a relação que tanto desejamos: pensar a semelhança entre a narrativa do autor e a nossa. O que se passa no intervalo de tempo entre a infância e a fase adulta? Por que esse livro me causou tanto impacto como eu afirmei anteriormente? Por que meu  desejo de abraçar o personagem ao terminar de ler o livro? A resposta, que não havia sido dada claramente no primeiro texto, está aqui: foi sua proximidade comigo! Estou nesta faixa etária "aos 40" e isso mexeu bastante comigo: uma história que emociona e dói. Foi isso que senti quando terminei, como é doído o envelhecimento e, principalmente, o balanço da vida. A passagem do tempo nos toca sem percebermos exatamente, quando nos damos conta, estamos lá aos 40. Como ocorre essa passagem tão sutil e tão precisa? Essa obra mostra-nos quanto de nós se construiu na infância e nos acompanha ao longo da vida,